Sustentando um espaço seguro – Heather Plett

 

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Tradução livre do texto de Heather Plett – “What means to hold space for people plus eight tips on how to do it well”.

Quando minha mãe estava morrendo, eu e meus irmãos nos reunimos para ficar com ela em seus dias finais. Nenhum de nós sabia nada sobre apoiar alguém em sua transição desta vida para a próxima, mas estávamos certos de que queríamos mantê-la em casa, e assim fizemos.

Enquanto nós apoiávamos nossa mãe, éramos apoiados por uma talentosa enfermeira de cuidados paliativos, Ann, que vinha todos os dias para cuidar dela e conversar conosco sobre o que poderia acontecer nos próximos dias. Ela nos ensinou como injetar morfina quando ela ficava inquieta, se oferecia para fazer as tarefas mais difíceis (como dar banho) e nos dava apenas as informações que precisávamos sobre coisas, por exemplo, o que fazer com o corpo dela após o momento de sua morte.

“Levem o tempo que precisarem”, disse ela. “Vocês podem deixar para chamar a funerária apenas quando estiverem prontos. Reúnam as pessoas que querem se despedir. Sentem-se com sua mãe, se precisarem. Quando estiverem prontos, chamem o serviço funerário e eles virão buscá-la.”

Ann nos deu um presente incrível naqueles dias finais. Apesar de ter sido uma semana excruciante, sabíamos que havia alguém pronto a nos ajudar, bastando apenas um telefonema.

Nos dois anos seguintes à morte de minha mãe, sempre me lembrava de Ann e pensava sobre o importante papel que ela desempenhou em nossas vidas. Ela era muito mais do que pode caber no título de “enfermeira de cuidados paliativos”. Ela era facilitadora, treinadora e guia. Ao oferecer apoio com suavidade e sem julgamentos, ela nos ajudou a atravessar uma das fases mais difíceis de nossas vidas.

O trabalho que Ann fez pode ser definido por um termo que se tornou comum em alguns dos meios em que trabalho. Ela estava sustentando um espaço para nós.

O que significa sustentar um espaço para outra pessoa? Significa estarmos dispostos a caminhar ao lado dessa outra pessoa, em qualquer viagem que ela estiver, sem julgá-la, sem fazer com que se sinta inadequada, sem tentar corrigi-la e nem tentar influenciar o resultado final. Quando sustentamos espaço para outras pessoas, nós abrimos nossos corações, oferecemos apoio incondicional, e abandonamos o julgamento e o controle.

Às vezes nosprecebemos sustentando espaço para as pessoas enquanto elas sustentam espaço para outras. Na nossa situação, por exemplo, Ann estava sustentando espaço para nós enquanto sustentávamos espaço para a nossa mãe. Embora eu não soubesse nada sobre o sistema de apoio que ela nos oferecia, imaginava que haviam outras pessoas sustentando um espaço para Ann, para que ela pudesse fazer aquele trabalho tão desafiador e significativo.

Em meus próprios papéis como professora, facilitadora, treinadora, mãe, esposa e amiga, etc., eu faço o meu melhor para sustentar espaço para outras pessoas seguindo o exemplo que Ann ofereceu a mim e a meus irmãos. Nem sempre é fácil, porque tenho uma tendência muito humana de querer consertar as pessoas, dar conselhos ou julgá-las por não estarem em um ponto mais avançado no caminho do que estão.

Sustentar espaço não é tarefa exclusiva de facilitadores, treinadores, ou enfermeiras de cuidados paliativos. É algo que todos nós podemos fazer uns pelos outros – para os nossos parceiros, filhos, amigos, vizinhos e até para desconhecidos que começam a conversar conosco no ônibus, a caminho do trabalho.

Aqui estão as lições que aprendi com Ann e outros que sustentaram espaço para mim.

Quando estávamos apoiando nossa mãe em seus últimos dias, não tínhamos experiência na qual pudéssemos confiar, mas ainda assim, de forma intuitiva, sabíamos o que era necessário. Sabíamos como levar seu corpo frágil para o banheiro, sabíamos como ajudá-la a se sentar e cantar canções para ela, e nós sabíamos como amá-la. Nós sabíamos até mesmo quando era hora de injetar a medicação que ajudava a aliviar a dor. De uma forma muito suave, Ann nos ensinou que não precisávamos fazer as coisas de acordo com algum protocolo arbitrário de cuidados de saúde – nós simplesmente precisávamos confiar em nossa intuição e sabedoria acumulada nos muitos anos em que amamos nossa mãe.

  1. Dê às pessoas permissão para confiarem em sua própria intuição e sabedoria. Quando estávamos apoiando nossa mãe em seus últimos dias, não tínhamos experiência suficiente na qual pudéssemos confiar, mas ainda assim, de forma intuitiva, sabíamos o que era necessário. Sabíamos como levar seu corpo frágil para o banheiro, sabíamos como ajudá-la a se sentar e cantar canções para ela, e nós sabíamos como amá-la. Nós sabíamos até mesmo quando era hora de injetar a medicação que ajudava a aliviar a dor. De uma forma muito suave, Ann nos ensinou que não precisávamos fazer as coisas de acordo com algum protocolo arbitrário de cuidados de saúde – nós simplesmente precisávamos confiar em nossa intuição e sabedoria acumulada nos muitos anos em que amamos nossa mãe.
  1. Dê às pessoas apenas o tanto de informações com o qual elas podem lidar. Ann nos deu algumas instruções simples e nos deixou com algumas apostilas, mas não nos sobrecarregou com muito mais do que poderíamos processar naquele momento doloroso. Informação demais teria nos feito sentir incompetentes e inadequados.
  1. Não tire o poder das pessoas. Quando tomamos o poder de decisão das pessoas nas nossas mãos, elas se sentem inúteis e incompetentes. Pode ser que haja momentos em que precisaremos intervir e tomar decisões difíceis no lugar de outras pessoas – p. ex., quando estão lidando com um vício em que uma intervenção pode ser única forma de salvá-las. Mas em quase todos os outros casos, as pessoas precisam de autonomia para fazer suas próprias escolhas. Ann sabia que precisávamos nos sentir habilitados a tomar decisões; ela ofereceu apoio, mas nunca tentou nos dirigir ou nos controlar.
  1. Mantenha o seu próprio ego fora da história. Este é um grande problema. Nós todos caímos nessa armadilha de vez em quando – quando começamos a acreditar que o sucesso de alguém depende da nossa intervenção, ou quando pensamos que o seu fracasso reflete em nós de forma negativa, ou quando estamos convencidos de que as emoções que as pessoas escolhem descarregar sobre nós dizem respeito a nós, e não a elas. É uma armadilha na qual já caí várias vezes no meu trabalho como professora. Fiquei mais preocupada com meu próprio sucesso do que com o sucesso dos meus alunos – ‘será que os meus alunos gostam de mim? As notas deles refletem a minha capacidade de ensinar?’. Mas isso não fazia bem a ninguém, nem mesmo a mim. Para apoiar verdadeiramente o desenvolvimento deles, eu preciso manter meu ego de fora e criar um espaço onde eles tenham oportunidade de crescer e aprender.
  1. Faça com que as pessoas se sintam seguras o suficiente para falhar. Quando as pessoas estão aprendendo, crescendo, ou passando por um sofrimento ou uma fase de transição, certamente cometerão alguns erros ao longo do caminho. Quando nós, ao procurarmos sustentar o espaço, não julgamos e nem culpamos, nós oferecemos a oportunidade de elas mergulharem dentro de si mesmas para encontrar a coragem de assumir riscos e para desenvolver resiliência para seguir, mesmo quando falham. Quando deixamos claro que o fracasso é simplesmente uma parte do caminho e não o fim do mundo, elas gastam menos tempo se punindo e mais tempo aprendendo com seus erros.
  1. Ofereça orientação e ajuda, com humildade e consideração. Precisamos saber quando não oferecer orientação – quando a orientação fizer com que a pessoa se sinta tola e inadequada – e quando oferecer – quando a pessoa pedir ou quando ela estiver muito perdida para saber o que pedir. Ann se ofereceu para vir e dar banhos em nossa mãe e fazer algumas das tarefas mais difíceis sem nos tirar o poder ou a autonomia. Isto foi um alívio para nós, já que não tínhamos prática alguma. Esta é uma dança delicada que precisamos compreender quando nos propomos a sustentar o espaço para outras pessoas. Reconhecendo as áreas em que elas se sentem mais vulneráveis e incapazes e oferecendo o tipo certo de ajuda sem envergonhá-las requer prática e humildade.
  1. Criar um meio de apoio para emoções complexas, medo, trauma, etc. Quando as pessoas sentem que são apoiadas de maneira mais profunda do que estão acostumadas, elas se sentem seguras o suficiente para permitir que emoções mais complexas venham a tona. Alguém que se propõe a sustentar o espaço sabe que isso pode acontecer e pode se preparar para oferecer apoio de uma forma gentil, solidária e sem julgamento. É preciso criar um espaço onde as pessoas se sintam seguras o suficiente para desmoronar, sem temerem que isso dure para sempre e sem se sentirem envergonhadas. É preciso que alguém esteja sempre presente para oferecer força e coragem. Este não é um trabalho fácil, e eu continuo aprendendo sobre como ter conversas que vão se tornando cada vez mais desafiadoras. Não conseguiremos fazer isso se estivermos excessivamente emotivos, se não tivermos feito o trabalho duro de olhar para a nossa própria sombra, ou se não pudermos confiar nas pessoas que estão sustentando o espaço para nós. No caso de Ann, ela fez isso, demostrando ternura, compaixão e confiança. Se ela tivesse aparecido de uma maneira que não nos inspirasse a confiança de que ela seria capaz de lidar com situações difíceis ou se ela mesma tivesse medo da morte, não teríamos sido capazes de confiar nela, como fizemos.
  1. Permita que as pessoas tomem decisões diferentes e tenham experiências diferentes das suas. Sustentar espaço significa também respeitar as diferenças de cada pessoa e reconhecer que essas diferenças podem levá-las a fazer escolhas que você não faria. Às vezes, por exemplo, elas fazem escolhas baseadas em hábitos culturais que não conseguimos entender a partir da nossa própria experiência. Quando sustentamos o espaço, liberamos o controle e honramos as diferenças. Isto surgiu, por exemplo, na maneira com que Ann nos apoiou na tomada de decisão sobre o que fazer com o corpo da nossa mãe após sua passagem. Se desejássemos ter feito algum ritual antes de liberar seu corpo, éramos livres para fazer isso na privacidade de nossa casa.

Sustentar o espaço não é algo que podemos dominar do dia para a noite, ou que pode ser tratado como uma lista de dicas, como as que eu acabei de dar. É uma prática complexa que se desenvolve à medida que a praticamos, e é única para cada pessoa e cada situação.

Minha intenção é que o significado de sustentar o espaço para outras pessoas seja uma aprendizagem para toda a vida.