A dor do cuidar e o privilégio do sofrer
~Sharon Salzberg
… Eu me considero privilegiada por poder trabalhar com pessoas que estão, de certa forma, na linha de frente do sofrimento. Muitos, se não a maioria dos meus alunos, chegam à meditação vindos de situações de muita aflição. Tenho visto que a meditação pode ser uma ferramenta especialmente útil para os cuidadores e para o tipo de sofrimento que eles enfrentam. A prática da meditação nos encoraja a tomarmos consciência das nossas experiências e sentimentos, ao invés de tentar “consertá-los”. A meditação abre nossa mente e aprofunda a nossa coragem. Nos convida a encontrarmos uma maior liberdade emocional. Nos permite eliminarmos as diferenciações entre você versus eu, nós versus eles. Lembra a todos nós, cuidadores e não cuidadores, que o nosso impulso básico como seres humanos é o de sermos felizes.
Mas como?
É essencial para cuidadores cultivar a auto-compaixão juntamente com a compaixão pelos outros, para criar uma atmosfera interna de bondade, expansividade e consciência em que a resiliência possa florescer. Não é realista pensar que alguém possa ignorar eternamente as suas próprias necessidades, e ainda assim ter energia e comprometimento para se entregar totalmente aos outros. Mesmo quando se trata de profissionais [como médicos, enfermeiras, assistentes sociais, etc]. Além disso, quando estamos tentando fazer muitas coisas ao mesmo tempo, em geral sentimos uma tendência maior ao auto-isolamento em vez da conexão. O cuidado compassivo depende de conexão.
Há algo sobre apenas “estar com”, que é uma parte fundamental do cuidar de uma forma sustentável. Reconhecermos a nossa incapacidade fundamental de consertar as coisas, e sermos capazes de simplesmente nos tornar disponíveis, é algo que podemos aprender a fazer – e ficar bem com isso – acessando o poder da auto-compaixão. A aceitação é o oposto energético da aversão, da raiva e do medo. Há espaço e aconchego, em vez de restrição, implosão e congelamento – todas as qualidades que normalmente encontramos quando nos fixamos à necessidade de corrigir, de controlar.
É essencial para os cuidadores refletirem sobre como estão se dedicando à arte de dar, e a meditação pode ajudar muito a esclarecer esse processo. A generosidade pura surge quando damos sem a necessidade de que a nossa oferta seja recebida de uma determinada maneira. É por isso que o melhor tipo de generosidade vem da abundância interior, em vez do sentimento de vazio e de falta, que carece desesperadamente de validação.
Claro que existem muitas pessoas que sentem amor e compaixão pelos outros, mas não são capazes de aceitar e dar carinho e amor a si mesmos. Mas este jeito de ser é simplesmente insustentável. Neste tipo de situação, não há como oferecer cuidado e amor livremente; surgem muitas amarras, abrindo o caminho para o ressentimento e para o esgotamento.
Cuidar com resiliência depende primeiramente da escolha de habitar um mundo onde todos nós nos tratamos com amor, em que sabemos profunda e verdadeiramente que a compaixão por nós mesmos não é sinal de fraqueza, de fracasso e nem uma desculpa para a desistência ou para a passividade. Pelo contrário, é uma força que abre a porta para uma forma completamente diferente de nos relacionarmos com o outro e com a nossa própria experiência, que nos permite crescer e mudar constantemente, e assim continuar a servir.
Extraído e traduzido livremente por Jeanne Pilli de
http://www.onbeing.org/blog/the-pain-of-caregiving-and-the-privilege-of-suffering/7387