Extra … Extra “As pessoas são inerentemente boas e não violentas”
(CNN) A forma como você responde quando ouve notícias de violência é muito importante. A maneira como você as processa e enquadra tem impactos mentais e físicos reais.
Assassinatos em massa, crimes mortais de ódio, terror, assassinato, violência armada e guerra, todos têm seus detalhes específicos, mas cada história revive perguntas antigas, ainda que urgentes, sobre quem somos como espécie.
As pessoas são inerentemente violentas? Algumas pessoas são más? Podemos parar a violência? Nossas respostas a essas perguntas são mais do que filosóficas. Elas influenciam a forma como processamos o mundo ao nosso redor, tornando-nos otimistas ou pessimistas, esperançosos ou assustados.
“Toda vez que experienciamos ou ouvimos sobre um evento traumático, entramos no modo de estresse”, explicou Susanne Babbel, psicoterapeuta especializada em recuperação de traumas. “Podemos ficar entorpecidos ou ter uma reação de medo hiperativa à ameaça percebida. Nossa resposta fisiológica é desencadeada e libera hormônios do estresse como cortisol e adrenalina”.
De acordo com uma pesquisa realizada no ano passado pela Associação Americana de Psicologia, 31% dos entrevistados disseram que as notícias de crimes de ódio causaram estresse e 30% disseram que as notícias de guerras ou conflitos com outros países os estressaram.
Também sabemos que o estresse está associado a uma série de problemas de saúde, incluindo privação do sono e doenças cardíacas. E quando o estresse é crônico e contínuo (como as más notícias parecem ser também), ele pode até mesmo encurtar sua vida.
Todas as pessoas são inerentemente boas
Quando ouvimos falar de coisas ruins acontecendo, especialmente quando vidas de muitos são perdidas ou prejudicadas pelas mãos de poucos, precisamos nos lembrar de que as pessoas são genericamente boas.
Nós somos projetados para o bem. É mais fácil reconhecer esse fato quando você pensa em crianças. Na ausência de fatores mitigantes, a bondade inata das crianças não se desgastaria com o passar dos anos. Mas a bondade não é a única virtude dos jovens. A grande maioria das pessoas, quando se depara com escolhas éticas simples e claras, escolhe o bem acima do mal e até prefere o bom em vez do neutro.
Imagine que o bebê de um estranho está prestes a cair de uma cadeira ao seu lado. Você tentaria pegá-lo, certo? A intuição diz que você pode contar com quase todas as outras pessoas para também tentar pegar o bebê. A empatia é uma dádiva evolutiva, um instinto que se estende em círculos concêntricos do eu, para os entes queridos e para a comunidade para os países; no caso de seres iluminados, para toda a humanidade – um conceito que remonta ao grego estoico Hiérocles. Todos são capazes de ampliar seu círculo.
Nossa noção inata de bem sobre o mal é onde todos começamos. Apesar de milhares de anos de guerra, estupros, homicídios e outras violências, todos nós ainda somos, fundamentalmente, salvadores de bebês.
Mas as guerras e outras violência não são evidências de que somos inerentemente violentos?
A guerra não é sintoma de uma natureza guerreira; a guerra é apenas uma evidência de como a violência gera violência. O ciclo vicioso é quebrado apenas pela não-violência, como demonstrado por heróis da história que tinham disciplina, bravura e paciência para provar isso, como Mohandas Gandhi e Martin Luther King Jr. Se a violência fosse a solução para a violência, ela teria terminado há muito tempo.
O fato de ter havido guerras em grande parte da história humana, não é prova de que somos geneticamente predispostos à violência. Como disse Alfie Kohn, especialista em educação, toda a sociedade fez cerâmica, mas isso não significa que tenhamos um gene ceramista.
E apesar do aparente bombardeio constante de terrorismo e violência armada, as pesquisas mostram que estamos vivendo no momento menos violento de todos os tempos da história da humanidade. Ao longo dos séculos, descobrimos mais e mais maneiras de reduzir as causas da violência e de ter a coragem de reagir de forma não-violenta a ela, mesmo que ainda tenhamos muito pela frente.
Mas algumas pessoas são más, certo?
Deixando de lado os argumentos religiosos sobre a existência do mal, quando marcamos as pessoas com esse rótulo, perdemos a oportunidade de abordar as causas de suas ações.
Lembre-se, todos nós partimos de um lugar de pureza moral. Mas sob certas circunstâncias, somos todos capazes de fazer coisas para os outros que são dolorosas e cruéis. Alguns desses atos vão além da nossa capacidade de compreendê-los de imediato, e podemos rotular de “mal” o que é realmente doença, medo, desespero, ódio ou uma combinação disso tudo.
O ódio e o desespero, em particular, têm sementes no abuso, na desesperança, no isolamento, na pobreza e em outras injustiças. O ódio é ensinado. Mas a não-violência e a empatia também podem ser ensinadas e postas em ação para eliminar essas causas.
“Se a alma for deixada na escuridão, pecados serão cometidos”, escreveu Victor Hugo em “Les Miserables“. “O culpado não é aquele que comete o pecado, mas aquele que causa a escuridão.” Que escuridão nós, a sociedade que formamos e os líderes aos quais damos poder estamos gerando?
Mas então quer dizer que nós não somos responsáveis por nossas ações?
O livre arbítrio é um fascinante debate filosófico que tem sido travado desde os antigos filósofos gregos. E hoje, ainda existem correntes concorrentes, e não há consenso. Nós provavelmente nunca chegaremos à verdadeira resposta sobre se há ou não o livre-arbítrio. Talvez nós sejamos apenas o produto de tudo que nos acontece. Ou talvez nós sejamos totalmente independentes nas escolhas que fazemos.
Então, sugiro adotarmos uma abordagem intermediária razoável – a maioria de nós, de qualquer forma – e concordarmos que, embora alguns fatores influenciadores estejam fora de nosso controle, ainda temos a capacidade de fazer escolhas com base no livre arbítrio, incluindo o que fazemos com nossa raiva, medo e ódio.
Acreditar no livre-arbítrio e acreditar que as circunstâncias podem levar a um comportamento violento – mas que não garantem isso – nos traz esperança. Isso significa que acreditamos que podemos reduzir a violência por meio de uma intervenção. Livre-arbítrio significa que as pessoas podem escolher fazer coisas ruins, mas também podem optar por não fazê-las.
São necessárias mais pesquisas para entendermos melhor quais fatores levam à violência, bem como os fatores atenuantes positivos que podem impedi-la: modelos, oportunidade, igualdade de condições para educação e emprego, amor, pais, professores, acesso a cuidados de saúde mental e atendimento das necessidades básicas das pessoas. Se tivéssemos mais dados sobre esses métodos, talvez tivéssemos uma política pública melhor.
Mas as pesquisas disponíveis mostraram que as intervenções funcionam quando se trata de reduzir o comportamento violento. Aqueles que trabalham nesse campo muitas vezes atestam isso, e grandes estudos provaram a eficácia daqueles que visam desviar os outros dos caminhos do crime violento.
Soluções: intervenção não violenta
Quanto mais governos e indivíduos fizerem para reduzir as condições que causam a escuridão na qual a violência é gerada (guerras, pobreza, racismo sistêmico, xenofobia, homofobia, intolerância religiosa, bullying), menos atos de horror nos noticiários teremos que processar.
Não podemos voltar no tempo para mudar as condições que levaram à violência que temos agora, mas podemos influenciar o futuro. Como meu professor pacifista na faculdade, Colman McCarthy, perguntava: Onde estão os que serão criminosos daqui a 20 anos?
Entender nossa bondade fundamental e o potencial para mudar não é um mero exercício filosófico. Nossas conclusões afetam diretamente a maneira como vemos o mundo. E a forma como vemos o mundo afeta quem elegemos como nossos líderes. Esses líderes afetam as leis com as quais nós vivemos e a forma como combatemos a violência e as causas da violência.
Procure oportunidades para quebrar ciclos de violência perto e dentro de você. Apoie políticas e políticos que acreditam na intervenção não violenta. E pense em começar uma discussão na próxima vez que alguém chamar outra pessoa ou grupo de pessoas de más, uma discussão que funcione melhor, mais orientada para a solução, para entender as causas profundas dos comportamentos negativos.
A pesquisa da Associação Americana de Psicologia incluiu a animadora notícia de que 51% dos entrevistados disseram que o estado da nação os inspirou a se voluntariar ou apoiar as causas que eles valorizam, e 59% haviam tomado alguma forma de ação no ano passado.
Nossas respostas pacíficas à violência criam as ondas de mudança que acabarão por levar a menos sofrimento coletivo.
Nota do Editor: Este ensaio é parte de uma coluna chamada The Wisdom Project, de David Allan, diretor editorial da CNN Health and Wellness. A série diz respeito à aplicação à vida da sabedoria e a filosofia encontradas em todos os lugares, desde textos antigos até a cultura pop.
Tradução livre de Jeanne Pilli do original
https://edition.cnn.com/2018/12/11/health/nonviolence-good-wisdom-project/index.html